Operação resgata 163 operários chineses em condições de escravidão na BYD
Fiscalização revela abusos em canteiro de obras e levanta questões sobre responsabilidade empresarial.

Escândalo: 163 trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão em obra da BYD
Uma força-tarefa governamental encontrou 163 trabalhadores chineses em condições análogas à escravidão na BYD, em Camaçari, Bahia. A operação, que envolveu diversas instâncias do governo, evidenciou violação de direitos trabalhistas, incluindo jornadas excessivas e condições de alojamento insalubres. A BYD e a construtora Jinjiang enfrentam responsabilidades severas devido à situação.
Summary
Uma força-tarefa governamental revelou uma situação alarmante no canteiro de obras da BYD, localizada em Camaçari, Bahia, onde 163 trabalhadores chineses foram encontrados em condições análogas à escravidão. Este episódio capta não apenas a realidade dura do trabalho forçado, mas também levanta questões sobre a responsabilidade das empresas contratantes e das práticas de terceirização no Brasil. Na manhã de 23 de dezembro de 2024, os auditores fiscais do trabalho identificaram que tanto a montadora, BYD, quanto a construtora encarregada dos serviços, a Jinjiang, têm participação nas condições de trabalho degradantes que os operários enfrentaram.
A operação, conduzida pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, envolveu uma equipe de 40 servidores públicos que incluíam representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Defensoria Pública da União. A ação tomou como base denúncias da Agência Pública que indicavam graves violações de direitos trabalhistas, incluindo jornadas extenuantes, condições insalubres e falta de direitos básicos.
O contexto legal da terceirização no Brasil permite que empresas contratem serviços externos, mas impõe que a empresa contratante — neste caso, a BYD — mantenha a responsabilidade sobre as condições dos trabalhadores que atuam em suas dependências. Em uma declaração oficial, Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD no Brasil, reafirmou o compromisso da empresa em cumprir a legislação trabalhista brasileira, anunciando a interrupção do contrato com a Jinjiang. Este ato é uma tentativa de mitigar os impactos negativos e assegurar um ambiente de trabalho mais digno para os funcionários.
As condições de trabalho observadas durante a operação foram alarmantes. A fiscalização encontrou documentos que indicavam jornadas de 10 horas por dia, seis dias na semana, o que poderia se estender a até 70 horas semanais — muito além do limite legal de 44 horas estipulado pela legislação brasileira. A realização de atividades pesadas, como a de pedreiros e soldadores, em tais volumes de carga horária não apenas viole o limite legal, mas também cria-se um ambiente propício a acidentes de trabalho. De fato, ocorreram pelo menos quatro acidentes graves, incluindo amputações, que ilustram os riscos associados a essas condições.
Um operário, que sofreu um acidente, indicou ter trabalhado sob intenso sol por 10 horas diárias, durante 25 dias consecutivos, sem descanso apropriado, numa situação de extremo desgaste físico e mental. Um detalhe chocante é que, em alguns alojamentos, até 31 trabalhadores compartilhavam um único vaso sanitário, o que forçava os operários a se acordarem às 4h da manhã para enfrentarem filas.
Os alojamentos onde os trabalhadores viveram eram precários e insalubres. Em muitos casos, os trabalhadores se viam obrigados a dormir em camas improvisadas, sem colchões apropriados, e a mistura de alimentos com roupas causava um ambiente propenso a doenças. Quanto às condições das cozinhas, as mesmas eram descritas como sujas e não respeitavam as normas de higiene básicas. Os alimentos eram armazenados de forma que comprometia sua segurança alimentar, servidos em coolers e outros recipientes inadequados.
Esse cenário ressaltou que as condições não eram apenas uma questão de desgaste físico, mas também de saúde pública. O estado das instalações levantou questões sobre como práticas de trabalho forçado podem inclusive impactar a população local e a imagem da indústria de automóveis no Brasil.
A fiscalização também identificou características tipificadas como trabalho forçado. Entre elas estava a retenção de documentos em poder do empregador, um procedimento que impede que os trabalhadores possam deixar seu trabalho ou buscar alternativas. Em uma discrepância legal, foram encontrados 107 passaportes de trabalhadores sob a posse da empresa, o que claramente contraria as práticas de imigração e direito do trabalhador.
Estes operários, ao chegarem ao Brasil, foram introduzidos sob a justificativa de "assistência técnica especializada", mesmo desempenhando funções que não atendiam a essa qualificação. Diante disso, é evidente que o contexto coloca tanto a legislação brasileira quanto a dos países de origem, em um embate na proteção dos direitos dos trabalhadores. Os operários foram tratados como mão de obra comum, e os brasileiros desempenhando funções semelhantes receberam a devida formalização de vínculo empregatício.
Diante das evidências apresentadas, a força-tarefa determinou que a empresa deve não apenas saldar todos os salários devidos aos trabalhadores, mas também garantir a volta dos que desejarem retornar ao seu país. Além disso, alternativas para aqueles que optarem por permanecer no Brasil também foram sugeridas, permitindo-lhes dar entrada em pedidos de visto, conforme estipulado em convenções internacionais.
Um desfecho legal para a situação está previsto com uma audiência marcada para hoje, onde se espera abordar tanto a situação trabalhista quanto a remoção dos operários para ambientes de trabalho e moradia dignos.
A operação foi motivada por denúncias de condições desumanas de trabalho nas obras da BYD, reveladas pela Agência Pública. As principais irregularidades incluem jornadas excessivas, alojamentos insalubres, falta de higiene nas cozinhas e retenção de documentos. A BYD declarou o compromisso em respeitar a legislação e desligou a construtora Jinjiang, iniciando uma revisão das condições de trabalho. Trabalhadores que desejam retornar à China têm direito a passagens pagas pelo empregador, e aqueles que desejarem permanecer podem solicitar vistos.
Este caso representa um microcosmo das complexas e frequentemente problemáticas práticas trabalhistas que ocorrem no Brasil. O trabalho forçado e as condições análogas à escravidão têm raízes profundas, refletindo não apenas a falta de fiscalização, mas também a necessidade de um compromisso mais significativo por parte das empresas em garantir condições dignas de trabalho. O episódio não pode ser visto isoladamente, mas deve impulsionar uma discussão mais ampla e urgentíssima sobre a proteção dos direitos dos trabalhadores em contextos de terceirização.